(Texto de 2008 em homenagem a uma pessoa que faz parte desta história)
Um Bem-te-vi olhou pra mim. Ali, à
beira da piscina, sob a sombra que nos escondia do sol. Virou sua cabecinha preta
e branca e me encarou por longos – eternos, intermináveis – três segundos. Nada
mais. Depois bateu as asas, saltou o muro e desapareceu de vista. Surpreendi-me
com a expressão quase severa que ele me lançou, como se me culpasse por estar
chorando sozinha, no cantinho no mundo, enquanto o sol brilhava tão bonito do
outro lado. Então eu finalmente entendi o significado do Bem-te-vi. Porque esse
é um pássaro que sempre me aparece nos momentos de solidão, quando eu começo a
pensar, doída, sobre minha vida e sobre tudo que ficou pra trás. Como o vento
de Ana Terra: aquele que ventava sempre que alguma coisa importante acontecia na
vida dela. O meu Bem-te-vi aparece quando eu choro sozinha, amargurando o que
podia ser e que não foi. Ele sempre aparece, sempre.
Hoje um Bem-te-vi olhou pra mim
enquanto eu pensava em você. E
eu penso muito, porque as suas memórias eu trago assim, frescas, ao alcance das
mãos.
Ventava. Você, com a cabeça no meu
colo, admirava as estrelas cadentes no céu. Cantávamos. Quase posso sentir o cheiro daqueles tempos. A velinha de
aniversário, a borracha dos balões, os docinhos que eu mesma ajudei a enrolar.
A noite leve, tão leve. Você perto de mim. Eu chorei porque senti falta disso
tudo.
Hoje eu quis cair até me
machucar. Quis andar até cortar o pé no all star velho e vagabundo. E se
cortasse, ver se sangrava. Eu quis chorar pra lhe trazer de volta. Só assim
você viria ao meu encontro, me carregaria no colo e, com um beijo na testa, me
diria que tudo ia ficar bem. Você me olharia zangado e usaria aquela velha
autoridade pra me mandar parar de ficar triste. E eu sorriria, sinceramente
feliz, só pra lhe satisfazer, ignorando o absurdo dessa ordem. Hoje eu quis
chorar pra você me abraçar e dizer que me ama pra sempre. Sei que já não é possível.
Mas eu precisava tanto ouvir de novo.